Àries, P. (1973). História Social da Infância e da família. (D. Flaksman, Trad.) Rio de Janeiro: Zahar.
O livro, fonte de pesquisa essencial para aqueles interessados na história infantil, é dividido em três partes: a primeira discute o próprio nascimento da concepção de infância (O Sentimento da Infância), a segunda analisa as condições e mudanças da vida escolar (A Vida Escolástica), e a terceira, por sua vez, vai discutir as diferentes configurações da família ocidental ao longo da História das Mentalidades (A Família).
Ao contrário do que pode acreditar o censo comum, a idéia da infância como um período peculiar de nossas vidas, não é um sentimento natural ou inerente à condição humana. Segundo Philippe Àries, essa concepção, esse olhar diferenciado sobre a criança teria começado a se formar com o fim da Idade Média, sendo inexistente na sociedade desse período.
É interessante notar que as primeiras demonstrações são caracterizadas pela paparicação, ou seja, a criança (principalmente da ´elite´) era vista como um ser inocente e divertido; servindo como meio de entreter os adultos. O ´mimo´, tão criticado na época por Montaigne e diversos educadores (para saber mais, ir para o texto: “Infância, educação e neoliberalismo”), não era sua única forma de expressão, também observada em situações de morte infantil, antes considerada inevitável, e até previsível, era agora recebida com muita dor e abatimento. É no século XVII, com a intensificação das críticas, que as perspectivas e ações em relação à infância começam a se deslocar para o campo moral e psicológico: É preciso conhecê-la e não paparicá-la, para corrigir suas imperfeições. Embora esses dois sentimentos de infância tivessem origens diferentes, um provindo da família e o outro do meio eclesiástico e/ou intelectual, sob qualquer uma das visões, é possível perceber que a criança perde seu anonimato e assume um papel central no meio familiar.
Nos dias de hoje, quando dizemos que uma criança já está na idade escolar, entendemos facilmente que ela tem por volta de seis anos. Até os fins do século XVIII, no entanto, a mesma afirmação não diria muito sobre a idade dessa criança. Até então, a escola havia se mantido alienada dessas classificações etárias, uma vez que seu objetivo era mais técnico, destinado a aprendizes de qualquer idade ou cléricos, e não à educação infantil. A disseminação das idéias de ´longa infância´(que deixava de considerar adulto alguém com mais de sete anos de idade), e mais tarde, da adolescência contribuíram para essa mudança. Contudo, o processo se deu gradualmente: os meninos de onze anos que entravam no exército sem nenhuma formação, agora (século XVIII) eram admitidos como oficiais somente com alguma instrução. As meninas, desde o início excluídas do convívio escolar, eram tratadas até o século XVII como mulheres adultas a partir dos doze anos (de maneira geral) e sua formação familiar condizia com esse comportamento.
Durante a Era Moderna[1], a escola, embora por muito tempo ignore as diferenciações de idade, se concentra na disciplina, que tem uma origem religiosa e extremamente rígida. Esse aspecto moral e de vigilância seria curiosamente responsável pelo direcionamento das escolas (bem exemplificadas pelos internatos e liceus do século XIX) à questão dos jovens e crianças. É preciso lembrar contudo, que esse não era um fenômeno generalizado: enquanto alguns tinham sua infância delimitada pelo ciclo escolar (o tempo da disciplina, da vigilância separado do da ´liberdade´ adulta), outros ainda se “transformavam” em adultos mal tinham condições físicas para isso (mais tarde, os internatos seriam exclusivos de uma elite e o primário – ensino mais curto – seria destinado ao ´povo´).
Ironicamente, a utopia do ensino universal não era defendida pela grande maioria dos iluministas do século XVIII, que propunham uma educação diferenciada de acordo com o status social; condizente com o pensamento tradicional de separação entre o trabalho manual/braçal e o intelectual; condenados a pertencerem a mundos diferentes. Na realidade, o desenvolvimento acelerado do capitalismo e o uso crescente da mão-de-obra infantil, principalmente nas fábricas, contribuíram ainda mais para aumentar esse abismo.
Assim como o olhar diferenciado em relação a criança não é algo comum na Idade Média, o sentimento de família também começa a se desenvolver a partir dos séculos XV e XVI. Não podemos pensar que a família em si não existia; o que não se observava era a visão dela como algo privado, reservado à intimidade. Nessa época, as relações sociais e a vida pública eram tão presentes que se mesclavam, se confundiam ao ambiente familiar (é a idéia da ´casa aberta´, com a entrada e saída de diversas pessoas, com cômodos comuns onde momentos íntimos eram muito raros).
A preservação da família como algo privado, à parte da vida social é uma idéia tipicamente burguesa, com o próprio desenvolvimento de noções modernas, como por exemplo, o individualismo[2]: “A vida profissional e a vida familiar abafaram essa outra atividade, que outrora invadia toda a vida: a atividade das relações sociais”. (p.274)
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[1] Compreende aproximadamente o período entre os séculos XVI e o XIX.
[2] a maior valorização do indivíduo em relação à comunidade, ao coletivo.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
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