quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

UMA HISTÓRIA DA INFÂNCIA 02

(...)
Os críticos acusam Ariès quanto:
+ A ingenuidade na utilização das fontes históricas, questionando especialmente as evidências iconográficas. O que afirmou Ariès a esse respeito? Afirmou que até o século XII, a arte medieval não tentou retratar a infância, considerando que não havia lugar para ela em sua civilização. Para ele, os artista haviam produzido a figura minúscula que lembrava um homem em escala reduzida.
* Contra-argumentação: a concentração nos temas religiosos fez com que muitas temas de “vida secular” estivessem ausentes. Os adultos em miniatura não são necessariamente uma “deformação” imposta aos corpos das crianças. Os artistas medievais estavam mais preocupados em transmitir o status de seus retratados do que com a aparência individual.

+ Seu caráter extremamente centrado no presente, ao buscar evidências da concepção de infância do século XII na Europa medieval e concluindo que, por não encontrar essas evidências, o período não tinha qualquer consciência dessa etapa da vida.
Contra-argumentação: tal conclusão ignora uma consciência da infância tão deferente da nossa, que não a reconhecemos.

+ A radicalidade da tese de Ariès ao afirmar a completa ausência de qualquer consciência da infância na civilização medieval.
Contra-argumentação: há várias formas de reconhecimento da natureza específica da infância: noções de infância encontradas em códigos jurídicos medievais, ordenações, regras de ordens religiosas, obras de medicina etc.
+ Ariès não relacionar os esquemas que tratavam do detalhamento da infância, sobre influência da tradição clássica no período à consciência a respeito da infância.

(...) poderia-se dizer que o mundo medieval provavelmente teve algum conceito de infância, mas suas concepções sobre ela eram muito diferentes das nossas. (...) (p.27)

O mesmo autor pontua a relevância do estudo de Ariès:
(...) deve-se certamente reconhecer o papel de Ariès ao abrir o tema da infância, aproveitar suas tantas percepções acerca do passado e seguir adiante. Uma abordagem mais frutífera é buscar essas diferentes concepções sobre a infância em vários períodos e lugares, e tentar explicá-las à luz do material e das condições culturais predominantes. (p.27)

PARTE I – CAPÍTULO 01: CONCEPÇÕES MEDIEVAIS DA INFÂNCIA
De que forma a Europa medieval caracterizava a natureza da infância?

Imagens isoladas sobre a infância:
Reconhecimento das qualidades positiva dos muito jovens, considerando que a criança nunca fora tão celebrada como na Idade Média. Ex: Papa Leão lembra o amor de Cristo pelas crianças e enfatiza a sua inocência; O culto ao menino Jesus entre os cistercienses durante o século XII (forma de exaltação da infância);

Imagens mais comuns sobre a infância:
A elite instruída preferia mostrar a criança como uma criatura pecadora, “um pobre animal suspirante”. = Para alguns recentes estudiosos em infância, a Idade Média a compreendia com um processo, ao invés de um estado fixo.

É possível utilizar a literatura médica, didática e moralizadora no período medieval para demonstrar uma consciência sobre as etapas da infância. Shulamith Shahar, por exemplo, chama a atenção para uma consciência das transformações fundamentais em torno das idades de 2 a 7 anos, e da adolescência, e acerca das características de cada etapa. (...) (p.28)

Geralmente os autores medievais preferiam escrever sobre a idade adulta, especialmente a dos homens. Aqueles que escreviam a história na Idade Média a consideravam, geralmente, uma questão de reis, batalhas e da política (universo do qual as crianças não faziam parte). As convenções da hagiografia afirmavam que um futuro santo seria apontado já nos primórdios da infância por usa excepcional maturidade (o futuro santo = uma criança que pensava como um homem de idade).

(...) a infância (assim como a adolescência) durante a Idade Média não passou tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa e, por vezes, desdenhada. (...) (p.29).

Para Doris Desclais Berkvam: a infância medieval apresenta-se de maneira desestruturada e indefinida. Exemplos: as fontes medievais eram em relação à estimativa de idades; os escritores antigos descuidavam de qualquer forma precisa de classificação por idade.

Contribuição de Ariès:
Apresenta as crianças medievais inseridas gradualmente no mundo dos adultos a partir de uma idade precoce, ajudando os pais, trabalhando na condição de servas ou desenvolvendo o aprendizado de um ofício. Nesse sentido ele não é o pioneiro.

PARTE I – CAPÍTULO 02: EM BUSCA DE UM MARCO DA MUDANÇA
Idéias de Áries sobre as transformações de longo prazo nas concepções da infância:
+ Sofreu mudanças entre os séculos XV e XVII.
+ Inicialmente, mães e amas de leite lançaram a nova idéia (de infância), ao tratar as crianças como uma fonte de prazer e relaxamento, deleitando-se com sua doçura, simplicidade e gracejos. Essa maneira deve ter sempre parecido encantadora às mães e amas, mas esse sentimento pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos.
+ Os reformadores substituíram o afago das mães e amas em relação às crianças pelo interesse psicológico e pela solicitude moral. Um pequeno bando de advogados, padres e moralistas passou a reconhecer a inocência e a fragilidade da infância, e logrou impor uma infância longa entre as classes médias (influência do cristianismo e do novo interesse pela educação).
+ A preocupação elevada com a educação transformou aos poucos o conjunto da sociedade durante os séculos XIX e XX, notadamente ao estimular uma função nova e espiritual para a família.

Críticas a Ariès:
Não se podem aceitar tais mudanças em escala tão ampla. Deve-se considerar um quadro mais matizado entre as nações, os diversos grupos sociais e os períodos convencionais da história.

Ressalvas:
* Alguns críticos de Ariès propuseram uma “descoberta da infância” alternativa, seja antes, durante ou depois do século XVII. Seguem Ariès no cenário tranqüilizador de um conceito cada vez mais “sério e realista” que surgia da infância, seja a partir da Alta Idade Média ou no final do século XIX, chamando a atenção para períodos, organizações e pensadores fundamentais na história da infância. = a noção de uma descoberta definitiva da natureza particular da infância está aberta ao debate (categoria atemporal)

Com essas idéias, Ariès pretendia: documentar o surgimento de um sentimento da infância no período moderno.

“Descobertas” durante a Idade Média - Questionamentos às posições de Ariès:
+ Pierre Riché (década de 1960): entre os séculos VI e VII, o sistema monástico redescobriu a natureza da criança e toda a sua riqueza. Os monastérios desenvolveram experiências diretas na criação e na educação de crianças. O costume dos pais de entregar um filho para a Igreja fazia com que a maioria dos recrutados em monastérios fosse de oblatos jovens. Os monges questionaram a opinião geral rebaixada de infância: Columbano (final do século VI) entendia que o menino poderia ser um monge superior a um adulto porque ele não persistia na raiva, não guardava rancor, não se deliciava com a beleza das mulheres e eram autênticos; Beda afirmava que a criança era boa de educar, absorvendo com fidelidade aquilo o que lhe era ensinado.
+ Rolan Carron – Faz um estudo sobre a descoberta da criança no século XIII (durante algum tempo), tendo como pano de fundo uma série de levantes sociais e econômicos. Com a reforma agrária que se desenvolveu entre os séculos X e XIII, houve um aumento da população, o florescimento da família, o renascimento da vida urbana e um investimento social e psicológico maior nas crianças: mais recursos foram dedicados à sua educação e a sua saúde, e mais se refletiu sobre os métodos de sua criação e ensino.

(...) O “renascimento” do século XII também trouxe novas aprendizagens. As cidades francesas, principalmente, forma palco de um crescimento do humanismo e de um interesse pelo indivíduo. (...) No âmbito da atmosfera rarefeita e da “sociedade educada e inteligente”, o contexto cultural era, com certeza, favorável a uma reavaliação da infância. (...) (p.36).

A contribuição do período moderno
Infância “descoberta” também durante os séculos XVI e XVII:
+ C. John Sommerville: Os puritanos começaram a interessar-se permanentemente pelas crianças (ávidos por conquistar a geração mais jovem), questionando sua natureza e seu lugar na sociedade. Não tinha uma opinião positiva sobre as crianças, compreendendo-as como “fardos sujos do pecado original” ou “pequenas víboras”.
Os reformadores católicos franceses tinham opinião igualmente inferior sobre as crianças: viam-nas como fracas e culpadas de pecado original. Apesar disso, jansenistas do século XVII e outros educadores afirmavam que as crianças valiam a atenção, oferecendo-lhes instrução, compreensão e auxílio.

+ Okenfuss: A infância foi descoberta na Rússia na década de 1690. Indícios: utilização de cartilhas produzidas por Karion (1640-1717) com amplo uso de ilustrações para ensinar gramática e religião, revelando a compreensão de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos.
O autor inspira-se em Ariès ao afirmar que a “descoberta” da infância está associada a um interesse recém-surgido na educação, com a escola servindo para diferenciar a infância de etapas posteriores da vida.

O século XVII: Locke, Rousseau e os primeiros românticos
O trabalho de Ariès não ultrapassou a era moderna em seu estudo sobre a infância.
Os pensadores do século XVIII estão mais próximos das noções contemporâneas de infância do que qualquer de seus predecessores. O que eles afirmaram? As crianças são importantes em si, em vez de serem simplesmente adultos imperfeitos.

01. John Locke:
Obra: “Algumas reflexões sobre educação” = projeta a imagem da criança como tabula rasa, um papel em branco ou uma cera a ser moldada e formatada como bem se entender.
A noção lockiana de que a educação pode fazer “uma grande diferença para a humanidade” sugere a lógica de que a criança não nascia nem boa nem má. Para Spellman, Locke não havia se livrado da perspectiva cristã de impureza, pois na obra deste a aprendizagem envolvia uma luta para ensinar a criança a dominar suas inclinações e submeter seu apetite à razão.

O livro de Locke estimula uma atitude simpática com relação às crianças, que era rara em períodos anteriores: recomenda a atenção à natureza do temperamento pelo educador para que esse possa auxiliar as crianças no aproveitamento dos estudos e que não esperássemos dos pequenos “comportamento, seriedade e aplicação”.

(...) Locke não escapa de maneira alguma de uma concepção negativa sobre a infância, o que se pode ver em seu desejo de desenvolver a capacidade de raciocinar nas crianças já a partir de uma idade precoce (...) (p. 38)

02. Rousseau:
Figura de destaque na reconstrução da infância durante o século XVII;
Se opôs mais intensamente, de acordo com Peter Coveney, à tradição cristã do pecado original, com o culto da inocência original da criança.
O Emílio, obra na qual Rousseau sistematiza sua visão de infância:
* A criança nasce inocente, mas corre o risco de ser sufocada por preconceitos, autoridade, necessidade, exemplo e instituições;
* A natureza deseja que as crianças sejam crianças antes de adultas. A infância tem formas próprias de ver, pensar, sentir, raciocinar;
* Os muito jovens não deveriam ter o encargo da distinção entre Bem e Mal. Como inocentes, poder-se-ia deixar que respondessem à natureza, e nada fariam que não fosse bom, podendo fazer mal, mas não com a intenção de prejudicar. Por isso, poderiam aprender lições a partir das coisas e não a partir dos homens.

03. Concepção romântica da infância:
+ Surge, pela primeira vez, no final do século XVIII e início do século XIX;
+ Trouxe uma mudança sutil na noção rousseniana de inocência na infância: as crianças era apresentadas como criaturas de profunda sabedoria, sensibilidade estética mais apurada e consciência profunda das verdades morais duradouras.
+ Essa mudança resultou numa redefinição do relacionamento entre adultos e crianças: agora, era a criança que podia educar o educador.
+ A visão romântica da infância estava longe de ser predominantes pois: a tradição mais antiga de manchar as crianças com o pecado original custou a desaparecer; a ênfase na inocência da infância tinha pouca relevância para as vidas da maioria dos jovens, que ainda estavam sendo inseridos no mundo dos adultos muito cedo.
+ A visão romântica da infância tinha mais aceitação nos círculos da classe média onde o interesse pela educação era mais desenvolvido.

Rumo a uma infância e a uma adolescência longas, c. 1900
Final do século XIX e início do século XX: surgimento de vários estudos que fundamentaram a concepção contemporânea de infância.

Viviana Zelizer: afirma que entre as décadas de 1870 e 1930, surgiu na América a criança economicamente “sem valor”, mas emocionalmente “inestimável”; que em meados do século XIX a noção de uma criança economicamente sem valor já havia sido adotada pelas classes médias urbanas. Apesar disso, as famílias de classe trabalhadora continuaram a contar com os salários de seus filhos até que a legislação sobre o trabalho infantil e a educação compulsória acabassem com a defasagem da classe. Para estimularem a retirada das crianças dos locais de trabalho, os reformadores norte-americanos promoveram uma “sacralização” da infância: lucrar a partir do trabalho de crianças era tocar de forma profana em algo sagrado.
Conseqüências dessa concepção: aumento no valor sentimental das crianças, tanto nos círculos de classe trabalhadora quanto de classe média. (reconceituação da infância = versão nova e politizada da criança romântica).

Anos 1900 = notórios pela descoberta da adolescência:
A obra de Stanley Hall (Adolescência) popularizou o conceito à retoma a puberdade como uma etapa diferenciada da vida. Para ele, a adolescência traz um novo nascimento e uma etapa transitória entre a selvageria característica das crianças e a maturidade. Seu pensamento estimulou a noção de um período amplo de transição entre a infância e a idade adulta.

No final do século XIX os jovens eram cada vez mais segregados dos adultos na infância e na adolescência, especialmente em escolas organizadas por idade = foi o que despertou o interesse elevado na definição de um período prolongado de infância e adolescência.

Havia, nesse contexto, uma ansiedade generalizada com relação ao futuro:
(...) O século XIX foi uma época consciente de sua característica de progresso, mas, mesmo assim, muitas pessoas estavam perturbadas pelas forças desencadeadas pela civilização industrial recém-surgidas a seu redor (...) (p.43)

Conclusão
(...) a história cultural da infância tem seus marcos, mas também se move por linhas sinuosas com o passar dos séculos: a criança poderia ser considerada impura no início do século XX tanto quanto na Alta Idade Média (...) (p.45)

REFERÊNCIA
HEYWOOD, Colin. Uma história da infância: da Idade Média à época contemporânea no Ocidente. Porto Alegre: Artmed, 2004.

4 comentários:

Sabrina Castro disse...

Muito bom o seu blog
eu gostariadesaber mais sobre o assunto...

jornada educacional disse...

Muito interessante o seu blog, sou professora e me interesso muito pelo assunto, estou frente a um grupo de pesquisa sobre o tema, e gostaria de trocar algumas informações, idéias, bibliografias.

anderson disse...

achei legal a pesquisa ou cara tu tem mais alguma coisa relacionada com a concepção infantil da história na idade média ...... algum video mais detalhado textos mais compreensivéis .

Ademario Ribeiro disse...

Caro Prof. Francisco, salve!

Parabéns pelo blog. Vou indicá-lo e retornar algumas vezes! Quando tiver um tempinho, favor nos visitar: ademarioar.blogspot.com

Vou te escrever por e-mail também para possíveis nivelações.

Saudações educadoras!