(...) as reminiscências de infância são a parte mais bem-sucedida de uma autobiografia, pois com certeza satisfazem nossa curiosidade sobre uma etapa da vida que costuma ser considerada aquela que molda o caráter e o destino de um indivíduo. (p. 06)
(...) essa fascinação pelos anos de infância é um fenômeno relativamente recente, pelo que se pode deduzir a partir das fontes disponíveis. Não se tem notícia de camponeses ou artesãos registrando suas histórias de vida durante a Idade Média, e mesmo os relatos dos nobres de nascimento ou dos devotos não costumavam demonstrar muito interesse pelos primeiros anos de vida (...) (p.06).
(...) A criança era, no máximo, uma figura marginal em um mundo adulto. (p.06).
Identificar a razão do desinteresse pela infância
De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado do Heywood:
(...) por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos imperfeitos. Como elas eram consideradas “deficientes”, e totalmente subordinadas aos adultos (...) essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, em si, para os escritores medievais. Somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós. (...) (p.06).
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No entanto, considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação bastante instrutiva.
Duração regular da vida de um homem em Dante (1265-1321) à dividida em três períodos:
Crescimento: adolescenzia, até a idade de 25 anos;
Maturidade: gioventude, dos 25 aos 45 anos à ápice aos 35 anos;
Decadência: senettude, dos 45 ao 70 anos.
Na tradição clássica resgatada por Dante, a superioridade da meia-idade estava em evidência.
(...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não pode si mesmo, mas por seu potencial”. (...) (p.07).
Por que a invisibilidade das mulheres?
E a visão dos românticos? (Século XIX):
(...) Os românticos idealizavam a criança como criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração que duraria toda a vida. No século XIX, abriu-se o caminho para que cientistas educadores estudassem a infância em grande escala.
Persistências das velhas maneiras de pensar sobre a infância no século XX
Pesquisas nas áreas de ciência sociais sobre a criação de filhos à influência do behaviorismo psicológico = até os anos 1960, os pesquisadores consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções distintas, em resposta a estímulos diferenciados.
(Mais uma vez, a idade adulta era a etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação)
(...) O importante era encontrar formas de transformar a criança imatura, irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional competente, social e autônomo. Essa concepção da criança como sendo essencialmente deficiente em relação aos adultos, segundo Robert Mackay, teve por efeito obstaculizar a pesquisa sobre a criança como tal. Além disso, permaneceu o sentimento prolongado de que a infância era um fenômeno “natural”, que pouco interesse poderia despertar nos pesquisadores.
Se é uma fase natural, então porque desenvolver pesquisas?
Em 1990: Os sociólogos Alan Prout e Allison James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da infância, baseado em seis aspectos fundamentais.
Em 1998: os autores acima, juntamente com Chris Jenks, defenderam quatro abordagens sociológicas, das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:
A infância deve ser compreendida como uma construção social. = os termos “criança” e “infância” serão compreendidos de forma distintas por sociedades diferentes. à a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida e se lhe atribuem significados é um fato da cultura.
A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. = uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor. = as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos, como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano atribuir aos pais o papel de modelo, e às crianças, o de seguidoras)
Limites para o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks:
+ Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
+ Como se pode chegar a idéias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância. à Os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto as de caráter intercultural.
História social da criança e da família (1962) = Texto de Philippe Áries adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia.
Desencadeou uma série de debates estritamente históricos, nos quais se discutiu se o período medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na “descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e o papel das escolas etc.
O problema das fontes sobre a infância:
Um problema específico para os historiadores é desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros e brinquedos, sobrevivem pouco. Os historiadores têm demonstrado uma engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas, trabalhos polêmicos gerados a partir de debates relacionadas à infância, descrições literárias em romances e poesias, “documentos do ego’, na forma de diários, autobiografias e testemunhos orais, coleções folclóricas, manuais de aconselhamento destinados aos pais, e evidências visuais de retratos e fotografias (...)
(...) como alerta Roger Cox, um discurso, como o definiu Michel Foucault, jamais poderá ser lido de forma direta a partir de um texto, exigindo a intervenção de um ato de interpretação (...) Os medievalistas enfrentam esses problemas de forma particularmente aguda, arriscando-se a assumir uma impressão muito distorcida de idéias sobre a infância em período tão precoce porque são forçados a depender de um pequeno número de textos, muitos deles de caráter ficcional. Eles têm feito ampla utilização de fontes como hagiografia, códigos legais, enciclopédias, penitenciais, romances e ilustrações em manuscritos. (...) (pp.14-15)
O que dizem os críticos de Áries? à Sua análise é de caráter vago, por fazer afirmações categóricas a respeito de meio continente a partir de algumas evidências.
Idéias de Áries:
Inexiste um sentimento de infância, uma consciência da particularidade infantil que distingue essencialmente a criança do adulto.
No momento em que as crianças tivesse condições de sobreviver sem o cuidado e as atenções de suas mães ou amas, em algum momento entre as idades de 5 a 7 anos, eram lançadas na vida pública, juntando-se aos adultos em seus jogos e passatempos, adquirindo um ofício caso fossem cortesãos ou trabalhadores.
A civilização medieval não percebia um período transitório entre a infância e a idade adulta. = a sociedade medieval percebia as pessoas de menos idade como adultos em menor escala.
Não havia noção de educação, tendo os medievais se esquecido da paidéia da civilização clássica, nem qualquer sinal de nossas obsessões contemporâneas com os problemas físicos, morais e sexuais de infância.
A “descoberta” da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e XVII, quando se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial.
Críticas ao trabalho de Áries:
Teve boa aceitação entre alguns historiadores profissionais, inclusive medievalistas. Foi recebido com muita simpatia entre psicólogos e sociólogos
Mas recebeu apreciações mais comedidas:
Jean-Loius Flandrin = elogia a documentação impressionante, mas critica a fragilidade dos métodos de análise.
Adrian Wilson = considera o trabalho como crivado de falhas lógicas e catástrofes metodológicas.
(...)
(...) essa fascinação pelos anos de infância é um fenômeno relativamente recente, pelo que se pode deduzir a partir das fontes disponíveis. Não se tem notícia de camponeses ou artesãos registrando suas histórias de vida durante a Idade Média, e mesmo os relatos dos nobres de nascimento ou dos devotos não costumavam demonstrar muito interesse pelos primeiros anos de vida (...) (p.06).
(...) A criança era, no máximo, uma figura marginal em um mundo adulto. (p.06).
Identificar a razão do desinteresse pela infância
De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado do Heywood:
(...) por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos imperfeitos. Como elas eram consideradas “deficientes”, e totalmente subordinadas aos adultos (...) essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, em si, para os escritores medievais. Somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós. (...) (p.06).
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No entanto, considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação bastante instrutiva.
Duração regular da vida de um homem em Dante (1265-1321) à dividida em três períodos:
Crescimento: adolescenzia, até a idade de 25 anos;
Maturidade: gioventude, dos 25 aos 45 anos à ápice aos 35 anos;
Decadência: senettude, dos 45 ao 70 anos.
Na tradição clássica resgatada por Dante, a superioridade da meia-idade estava em evidência.
(...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não pode si mesmo, mas por seu potencial”. (...) (p.07).
Por que a invisibilidade das mulheres?
E a visão dos românticos? (Século XIX):
(...) Os românticos idealizavam a criança como criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração que duraria toda a vida. No século XIX, abriu-se o caminho para que cientistas educadores estudassem a infância em grande escala.
Persistências das velhas maneiras de pensar sobre a infância no século XX
Pesquisas nas áreas de ciência sociais sobre a criação de filhos à influência do behaviorismo psicológico = até os anos 1960, os pesquisadores consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções distintas, em resposta a estímulos diferenciados.
(Mais uma vez, a idade adulta era a etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação)
(...) O importante era encontrar formas de transformar a criança imatura, irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional competente, social e autônomo. Essa concepção da criança como sendo essencialmente deficiente em relação aos adultos, segundo Robert Mackay, teve por efeito obstaculizar a pesquisa sobre a criança como tal. Além disso, permaneceu o sentimento prolongado de que a infância era um fenômeno “natural”, que pouco interesse poderia despertar nos pesquisadores.
Se é uma fase natural, então porque desenvolver pesquisas?
Em 1990: Os sociólogos Alan Prout e Allison James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da infância, baseado em seis aspectos fundamentais.
Em 1998: os autores acima, juntamente com Chris Jenks, defenderam quatro abordagens sociológicas, das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:
A infância deve ser compreendida como uma construção social. = os termos “criança” e “infância” serão compreendidos de forma distintas por sociedades diferentes. à a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida e se lhe atribuem significados é um fato da cultura.
A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. = uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor. = as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos, como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano atribuir aos pais o papel de modelo, e às crianças, o de seguidoras)
Limites para o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks:
+ Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
+ Como se pode chegar a idéias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância. à Os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto as de caráter intercultural.
História social da criança e da família (1962) = Texto de Philippe Áries adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia.
Desencadeou uma série de debates estritamente históricos, nos quais se discutiu se o período medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na “descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e o papel das escolas etc.
O problema das fontes sobre a infância:
Um problema específico para os historiadores é desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros e brinquedos, sobrevivem pouco. Os historiadores têm demonstrado uma engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas, trabalhos polêmicos gerados a partir de debates relacionadas à infância, descrições literárias em romances e poesias, “documentos do ego’, na forma de diários, autobiografias e testemunhos orais, coleções folclóricas, manuais de aconselhamento destinados aos pais, e evidências visuais de retratos e fotografias (...)
(...) como alerta Roger Cox, um discurso, como o definiu Michel Foucault, jamais poderá ser lido de forma direta a partir de um texto, exigindo a intervenção de um ato de interpretação (...) Os medievalistas enfrentam esses problemas de forma particularmente aguda, arriscando-se a assumir uma impressão muito distorcida de idéias sobre a infância em período tão precoce porque são forçados a depender de um pequeno número de textos, muitos deles de caráter ficcional. Eles têm feito ampla utilização de fontes como hagiografia, códigos legais, enciclopédias, penitenciais, romances e ilustrações em manuscritos. (...) (pp.14-15)
O que dizem os críticos de Áries? à Sua análise é de caráter vago, por fazer afirmações categóricas a respeito de meio continente a partir de algumas evidências.
Idéias de Áries:
Inexiste um sentimento de infância, uma consciência da particularidade infantil que distingue essencialmente a criança do adulto.
No momento em que as crianças tivesse condições de sobreviver sem o cuidado e as atenções de suas mães ou amas, em algum momento entre as idades de 5 a 7 anos, eram lançadas na vida pública, juntando-se aos adultos em seus jogos e passatempos, adquirindo um ofício caso fossem cortesãos ou trabalhadores.
A civilização medieval não percebia um período transitório entre a infância e a idade adulta. = a sociedade medieval percebia as pessoas de menos idade como adultos em menor escala.
Não havia noção de educação, tendo os medievais se esquecido da paidéia da civilização clássica, nem qualquer sinal de nossas obsessões contemporâneas com os problemas físicos, morais e sexuais de infância.
A “descoberta” da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e XVII, quando se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial.
Críticas ao trabalho de Áries:
Teve boa aceitação entre alguns historiadores profissionais, inclusive medievalistas. Foi recebido com muita simpatia entre psicólogos e sociólogos
Mas recebeu apreciações mais comedidas:
Jean-Loius Flandrin = elogia a documentação impressionante, mas critica a fragilidade dos métodos de análise.
Adrian Wilson = considera o trabalho como crivado de falhas lógicas e catástrofes metodológicas.
(...)
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