Àries, P. (1973). História Social da Infância e da família. (D. Flaksman, Trad.) Rio de Janeiro: Zahar.
O livro, fonte de pesquisa essencial para aqueles interessados na história infantil, é dividido em três partes: a primeira discute o próprio nascimento da concepção de infância (O Sentimento da Infância), a segunda analisa as condições e mudanças da vida escolar (A Vida Escolástica), e a terceira, por sua vez, vai discutir as diferentes configurações da família ocidental ao longo da História das Mentalidades (A Família).
Ao contrário do que pode acreditar o censo comum, a idéia da infância como um período peculiar de nossas vidas, não é um sentimento natural ou inerente à condição humana. Segundo Philippe Àries, essa concepção, esse olhar diferenciado sobre a criança teria começado a se formar com o fim da Idade Média, sendo inexistente na sociedade desse período.
É interessante notar que as primeiras demonstrações são caracterizadas pela paparicação, ou seja, a criança (principalmente da ´elite´) era vista como um ser inocente e divertido; servindo como meio de entreter os adultos. O ´mimo´, tão criticado na época por Montaigne e diversos educadores (para saber mais, ir para o texto: “Infância, educação e neoliberalismo”), não era sua única forma de expressão, também observada em situações de morte infantil, antes considerada inevitável, e até previsível, era agora recebida com muita dor e abatimento. É no século XVII, com a intensificação das críticas, que as perspectivas e ações em relação à infância começam a se deslocar para o campo moral e psicológico: É preciso conhecê-la e não paparicá-la, para corrigir suas imperfeições. Embora esses dois sentimentos de infância tivessem origens diferentes, um provindo da família e o outro do meio eclesiástico e/ou intelectual, sob qualquer uma das visões, é possível perceber que a criança perde seu anonimato e assume um papel central no meio familiar.
Nos dias de hoje, quando dizemos que uma criança já está na idade escolar, entendemos facilmente que ela tem por volta de seis anos. Até os fins do século XVIII, no entanto, a mesma afirmação não diria muito sobre a idade dessa criança. Até então, a escola havia se mantido alienada dessas classificações etárias, uma vez que seu objetivo era mais técnico, destinado a aprendizes de qualquer idade ou cléricos, e não à educação infantil. A disseminação das idéias de ´longa infância´(que deixava de considerar adulto alguém com mais de sete anos de idade), e mais tarde, da adolescência contribuíram para essa mudança. Contudo, o processo se deu gradualmente: os meninos de onze anos que entravam no exército sem nenhuma formação, agora (século XVIII) eram admitidos como oficiais somente com alguma instrução. As meninas, desde o início excluídas do convívio escolar, eram tratadas até o século XVII como mulheres adultas a partir dos doze anos (de maneira geral) e sua formação familiar condizia com esse comportamento.
Durante a Era Moderna[1], a escola, embora por muito tempo ignore as diferenciações de idade, se concentra na disciplina, que tem uma origem religiosa e extremamente rígida. Esse aspecto moral e de vigilância seria curiosamente responsável pelo direcionamento das escolas (bem exemplificadas pelos internatos e liceus do século XIX) à questão dos jovens e crianças. É preciso lembrar contudo, que esse não era um fenômeno generalizado: enquanto alguns tinham sua infância delimitada pelo ciclo escolar (o tempo da disciplina, da vigilância separado do da ´liberdade´ adulta), outros ainda se “transformavam” em adultos mal tinham condições físicas para isso (mais tarde, os internatos seriam exclusivos de uma elite e o primário – ensino mais curto – seria destinado ao ´povo´).
Ironicamente, a utopia do ensino universal não era defendida pela grande maioria dos iluministas do século XVIII, que propunham uma educação diferenciada de acordo com o status social; condizente com o pensamento tradicional de separação entre o trabalho manual/braçal e o intelectual; condenados a pertencerem a mundos diferentes. Na realidade, o desenvolvimento acelerado do capitalismo e o uso crescente da mão-de-obra infantil, principalmente nas fábricas, contribuíram ainda mais para aumentar esse abismo.
Assim como o olhar diferenciado em relação a criança não é algo comum na Idade Média, o sentimento de família também começa a se desenvolver a partir dos séculos XV e XVI. Não podemos pensar que a família em si não existia; o que não se observava era a visão dela como algo privado, reservado à intimidade. Nessa época, as relações sociais e a vida pública eram tão presentes que se mesclavam, se confundiam ao ambiente familiar (é a idéia da ´casa aberta´, com a entrada e saída de diversas pessoas, com cômodos comuns onde momentos íntimos eram muito raros).
A preservação da família como algo privado, à parte da vida social é uma idéia tipicamente burguesa, com o próprio desenvolvimento de noções modernas, como por exemplo, o individualismo[2]: “A vida profissional e a vida familiar abafaram essa outra atividade, que outrora invadia toda a vida: a atividade das relações sociais”. (p.274)
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[1] Compreende aproximadamente o período entre os séculos XVI e o XIX.
[2] a maior valorização do indivíduo em relação à comunidade, ao coletivo.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
UMA HISTÓRIA DA INFÂNCIA 01
(...) as reminiscências de infância são a parte mais bem-sucedida de uma autobiografia, pois com certeza satisfazem nossa curiosidade sobre uma etapa da vida que costuma ser considerada aquela que molda o caráter e o destino de um indivíduo. (p. 06)
(...) essa fascinação pelos anos de infância é um fenômeno relativamente recente, pelo que se pode deduzir a partir das fontes disponíveis. Não se tem notícia de camponeses ou artesãos registrando suas histórias de vida durante a Idade Média, e mesmo os relatos dos nobres de nascimento ou dos devotos não costumavam demonstrar muito interesse pelos primeiros anos de vida (...) (p.06).
(...) A criança era, no máximo, uma figura marginal em um mundo adulto. (p.06).
Identificar a razão do desinteresse pela infância
De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado do Heywood:
(...) por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos imperfeitos. Como elas eram consideradas “deficientes”, e totalmente subordinadas aos adultos (...) essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, em si, para os escritores medievais. Somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós. (...) (p.06).
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No entanto, considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação bastante instrutiva.
Duração regular da vida de um homem em Dante (1265-1321) à dividida em três períodos:
Crescimento: adolescenzia, até a idade de 25 anos;
Maturidade: gioventude, dos 25 aos 45 anos à ápice aos 35 anos;
Decadência: senettude, dos 45 ao 70 anos.
Na tradição clássica resgatada por Dante, a superioridade da meia-idade estava em evidência.
(...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não pode si mesmo, mas por seu potencial”. (...) (p.07).
Por que a invisibilidade das mulheres?
E a visão dos românticos? (Século XIX):
(...) Os românticos idealizavam a criança como criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração que duraria toda a vida. No século XIX, abriu-se o caminho para que cientistas educadores estudassem a infância em grande escala.
Persistências das velhas maneiras de pensar sobre a infância no século XX
Pesquisas nas áreas de ciência sociais sobre a criação de filhos à influência do behaviorismo psicológico = até os anos 1960, os pesquisadores consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções distintas, em resposta a estímulos diferenciados.
(Mais uma vez, a idade adulta era a etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação)
(...) O importante era encontrar formas de transformar a criança imatura, irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional competente, social e autônomo. Essa concepção da criança como sendo essencialmente deficiente em relação aos adultos, segundo Robert Mackay, teve por efeito obstaculizar a pesquisa sobre a criança como tal. Além disso, permaneceu o sentimento prolongado de que a infância era um fenômeno “natural”, que pouco interesse poderia despertar nos pesquisadores.
Se é uma fase natural, então porque desenvolver pesquisas?
Em 1990: Os sociólogos Alan Prout e Allison James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da infância, baseado em seis aspectos fundamentais.
Em 1998: os autores acima, juntamente com Chris Jenks, defenderam quatro abordagens sociológicas, das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:
A infância deve ser compreendida como uma construção social. = os termos “criança” e “infância” serão compreendidos de forma distintas por sociedades diferentes. à a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida e se lhe atribuem significados é um fato da cultura.
A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. = uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor. = as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos, como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano atribuir aos pais o papel de modelo, e às crianças, o de seguidoras)
Limites para o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks:
+ Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
+ Como se pode chegar a idéias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância. à Os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto as de caráter intercultural.
História social da criança e da família (1962) = Texto de Philippe Áries adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia.
Desencadeou uma série de debates estritamente históricos, nos quais se discutiu se o período medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na “descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e o papel das escolas etc.
O problema das fontes sobre a infância:
Um problema específico para os historiadores é desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros e brinquedos, sobrevivem pouco. Os historiadores têm demonstrado uma engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas, trabalhos polêmicos gerados a partir de debates relacionadas à infância, descrições literárias em romances e poesias, “documentos do ego’, na forma de diários, autobiografias e testemunhos orais, coleções folclóricas, manuais de aconselhamento destinados aos pais, e evidências visuais de retratos e fotografias (...)
(...) como alerta Roger Cox, um discurso, como o definiu Michel Foucault, jamais poderá ser lido de forma direta a partir de um texto, exigindo a intervenção de um ato de interpretação (...) Os medievalistas enfrentam esses problemas de forma particularmente aguda, arriscando-se a assumir uma impressão muito distorcida de idéias sobre a infância em período tão precoce porque são forçados a depender de um pequeno número de textos, muitos deles de caráter ficcional. Eles têm feito ampla utilização de fontes como hagiografia, códigos legais, enciclopédias, penitenciais, romances e ilustrações em manuscritos. (...) (pp.14-15)
O que dizem os críticos de Áries? à Sua análise é de caráter vago, por fazer afirmações categóricas a respeito de meio continente a partir de algumas evidências.
Idéias de Áries:
Inexiste um sentimento de infância, uma consciência da particularidade infantil que distingue essencialmente a criança do adulto.
No momento em que as crianças tivesse condições de sobreviver sem o cuidado e as atenções de suas mães ou amas, em algum momento entre as idades de 5 a 7 anos, eram lançadas na vida pública, juntando-se aos adultos em seus jogos e passatempos, adquirindo um ofício caso fossem cortesãos ou trabalhadores.
A civilização medieval não percebia um período transitório entre a infância e a idade adulta. = a sociedade medieval percebia as pessoas de menos idade como adultos em menor escala.
Não havia noção de educação, tendo os medievais se esquecido da paidéia da civilização clássica, nem qualquer sinal de nossas obsessões contemporâneas com os problemas físicos, morais e sexuais de infância.
A “descoberta” da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e XVII, quando se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial.
Críticas ao trabalho de Áries:
Teve boa aceitação entre alguns historiadores profissionais, inclusive medievalistas. Foi recebido com muita simpatia entre psicólogos e sociólogos
Mas recebeu apreciações mais comedidas:
Jean-Loius Flandrin = elogia a documentação impressionante, mas critica a fragilidade dos métodos de análise.
Adrian Wilson = considera o trabalho como crivado de falhas lógicas e catástrofes metodológicas.
(...)
(...) essa fascinação pelos anos de infância é um fenômeno relativamente recente, pelo que se pode deduzir a partir das fontes disponíveis. Não se tem notícia de camponeses ou artesãos registrando suas histórias de vida durante a Idade Média, e mesmo os relatos dos nobres de nascimento ou dos devotos não costumavam demonstrar muito interesse pelos primeiros anos de vida (...) (p.06).
(...) A criança era, no máximo, uma figura marginal em um mundo adulto. (p.06).
Identificar a razão do desinteresse pela infância
De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado do Heywood:
(...) por cerca de 2 mil anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas como sendo adultos imperfeitos. Como elas eram consideradas “deficientes”, e totalmente subordinadas aos adultos (...) essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, em si, para os escritores medievais. Somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós. (...) (p.06).
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a uma análise mais rigorosa. No entanto, considera que a comparação entre criança “imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século XIX) é uma ação bastante instrutiva.
Duração regular da vida de um homem em Dante (1265-1321) à dividida em três períodos:
Crescimento: adolescenzia, até a idade de 25 anos;
Maturidade: gioventude, dos 25 aos 45 anos à ápice aos 35 anos;
Decadência: senettude, dos 45 ao 70 anos.
Na tradição clássica resgatada por Dante, a superioridade da meia-idade estava em evidência.
(...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em mente) como sendo “importante não pode si mesmo, mas por seu potencial”. (...) (p.07).
Por que a invisibilidade das mulheres?
E a visão dos românticos? (Século XIX):
(...) Os românticos idealizavam a criança como criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração que duraria toda a vida. No século XIX, abriu-se o caminho para que cientistas educadores estudassem a infância em grande escala.
Persistências das velhas maneiras de pensar sobre a infância no século XX
Pesquisas nas áreas de ciência sociais sobre a criação de filhos à influência do behaviorismo psicológico = até os anos 1960, os pesquisadores consideravam a criança como “organismo incompleto”, que evoluía em direções distintas, em resposta a estímulos diferenciados.
(Mais uma vez, a idade adulta era a etapa fundamental da vida, para qual a infância não passava de uma preparação)
(...) O importante era encontrar formas de transformar a criança imatura, irracional, incompetente, associal e acultural em um adulto maduro, racional competente, social e autônomo. Essa concepção da criança como sendo essencialmente deficiente em relação aos adultos, segundo Robert Mackay, teve por efeito obstaculizar a pesquisa sobre a criança como tal. Além disso, permaneceu o sentimento prolongado de que a infância era um fenômeno “natural”, que pouco interesse poderia despertar nos pesquisadores.
Se é uma fase natural, então porque desenvolver pesquisas?
Em 1990: Os sociólogos Alan Prout e Allison James apontavam para o surgimento de um novo paradigma para a sociologia da infância, baseado em seis aspectos fundamentais.
Em 1998: os autores acima, juntamente com Chris Jenks, defenderam quatro abordagens sociológicas, das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:
A infância deve ser compreendida como uma construção social. = os termos “criança” e “infância” serão compreendidos de forma distintas por sociedades diferentes. à a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida e se lhe atribuem significados é um fato da cultura.
A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras, como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. = uma categoria relacionada à idade, como a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da mesma forma que as meninas etc.
As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor. = as relações entre adultos e crianças podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos, como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano atribuir aos pais o papel de modelo, e às crianças, o de seguidoras)
Limites para o novo paradigma proposto por Prout, James e Jenks:
+ Se a infância deve ser considerada uma construção social, que papel resta às influências biológicas?
+ Como se pode chegar a idéias gerais sobre a infância quando a ênfase recai sobre a pluralidade dos construtos sociais, no limite, naquilo que é singular a cada sociedade e não no que é comum a todas?
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia sobre a infância. à Os historiadores contribuíram para um reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram instrutivas quanto as de caráter intercultural.
História social da criança e da família (1962) = Texto de Philippe Áries adequado aos cientistas sociais nos anos 1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia.
Desencadeou uma série de debates estritamente históricos, nos quais se discutiu se o período medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na “descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e o papel das escolas etc.
O problema das fontes sobre a infância:
Um problema específico para os historiadores é desencavar materiais-fonte sobre infâncias do passado. As próprias crianças não deixam muitos registros. Até mesmo os artefatos destinados a elas, como livros e brinquedos, sobrevivem pouco. Os historiadores têm demonstrado uma engenhosidade considerável em sua utilização das fontes, recorrendo a registros oficiais como os produzidos por inspetores de fábricas e escolas, trabalhos polêmicos gerados a partir de debates relacionadas à infância, descrições literárias em romances e poesias, “documentos do ego’, na forma de diários, autobiografias e testemunhos orais, coleções folclóricas, manuais de aconselhamento destinados aos pais, e evidências visuais de retratos e fotografias (...)
(...) como alerta Roger Cox, um discurso, como o definiu Michel Foucault, jamais poderá ser lido de forma direta a partir de um texto, exigindo a intervenção de um ato de interpretação (...) Os medievalistas enfrentam esses problemas de forma particularmente aguda, arriscando-se a assumir uma impressão muito distorcida de idéias sobre a infância em período tão precoce porque são forçados a depender de um pequeno número de textos, muitos deles de caráter ficcional. Eles têm feito ampla utilização de fontes como hagiografia, códigos legais, enciclopédias, penitenciais, romances e ilustrações em manuscritos. (...) (pp.14-15)
O que dizem os críticos de Áries? à Sua análise é de caráter vago, por fazer afirmações categóricas a respeito de meio continente a partir de algumas evidências.
Idéias de Áries:
Inexiste um sentimento de infância, uma consciência da particularidade infantil que distingue essencialmente a criança do adulto.
No momento em que as crianças tivesse condições de sobreviver sem o cuidado e as atenções de suas mães ou amas, em algum momento entre as idades de 5 a 7 anos, eram lançadas na vida pública, juntando-se aos adultos em seus jogos e passatempos, adquirindo um ofício caso fossem cortesãos ou trabalhadores.
A civilização medieval não percebia um período transitório entre a infância e a idade adulta. = a sociedade medieval percebia as pessoas de menos idade como adultos em menor escala.
Não havia noção de educação, tendo os medievais se esquecido da paidéia da civilização clássica, nem qualquer sinal de nossas obsessões contemporâneas com os problemas físicos, morais e sexuais de infância.
A “descoberta” da infância teria de esperar pelos séculos XV, XVI e XVII, quando se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial.
Críticas ao trabalho de Áries:
Teve boa aceitação entre alguns historiadores profissionais, inclusive medievalistas. Foi recebido com muita simpatia entre psicólogos e sociólogos
Mas recebeu apreciações mais comedidas:
Jean-Loius Flandrin = elogia a documentação impressionante, mas critica a fragilidade dos métodos de análise.
Adrian Wilson = considera o trabalho como crivado de falhas lógicas e catástrofes metodológicas.
(...)
UMA HISTÓRIA DA INFÂNCIA 02
(...)
Os críticos acusam Ariès quanto:
+ A ingenuidade na utilização das fontes históricas, questionando especialmente as evidências iconográficas. O que afirmou Ariès a esse respeito? Afirmou que até o século XII, a arte medieval não tentou retratar a infância, considerando que não havia lugar para ela em sua civilização. Para ele, os artista haviam produzido a figura minúscula que lembrava um homem em escala reduzida.
Os críticos acusam Ariès quanto:
+ A ingenuidade na utilização das fontes históricas, questionando especialmente as evidências iconográficas. O que afirmou Ariès a esse respeito? Afirmou que até o século XII, a arte medieval não tentou retratar a infância, considerando que não havia lugar para ela em sua civilização. Para ele, os artista haviam produzido a figura minúscula que lembrava um homem em escala reduzida.
* Contra-argumentação: a concentração nos temas religiosos fez com que muitas temas de “vida secular” estivessem ausentes. Os adultos em miniatura não são necessariamente uma “deformação” imposta aos corpos das crianças. Os artistas medievais estavam mais preocupados em transmitir o status de seus retratados do que com a aparência individual.
+ Seu caráter extremamente centrado no presente, ao buscar evidências da concepção de infância do século XII na Europa medieval e concluindo que, por não encontrar essas evidências, o período não tinha qualquer consciência dessa etapa da vida.
Contra-argumentação: tal conclusão ignora uma consciência da infância tão deferente da nossa, que não a reconhecemos.
+ A radicalidade da tese de Ariès ao afirmar a completa ausência de qualquer consciência da infância na civilização medieval.
Contra-argumentação: há várias formas de reconhecimento da natureza específica da infância: noções de infância encontradas em códigos jurídicos medievais, ordenações, regras de ordens religiosas, obras de medicina etc.
+ Ariès não relacionar os esquemas que tratavam do detalhamento da infância, sobre influência da tradição clássica no período à consciência a respeito da infância.
(...) poderia-se dizer que o mundo medieval provavelmente teve algum conceito de infância, mas suas concepções sobre ela eram muito diferentes das nossas. (...) (p.27)
O mesmo autor pontua a relevância do estudo de Ariès:
(...) deve-se certamente reconhecer o papel de Ariès ao abrir o tema da infância, aproveitar suas tantas percepções acerca do passado e seguir adiante. Uma abordagem mais frutífera é buscar essas diferentes concepções sobre a infância em vários períodos e lugares, e tentar explicá-las à luz do material e das condições culturais predominantes. (p.27)
PARTE I – CAPÍTULO 01: CONCEPÇÕES MEDIEVAIS DA INFÂNCIA
De que forma a Europa medieval caracterizava a natureza da infância?
Imagens isoladas sobre a infância:
Reconhecimento das qualidades positiva dos muito jovens, considerando que a criança nunca fora tão celebrada como na Idade Média. Ex: Papa Leão lembra o amor de Cristo pelas crianças e enfatiza a sua inocência; O culto ao menino Jesus entre os cistercienses durante o século XII (forma de exaltação da infância);
Imagens mais comuns sobre a infância:
A elite instruída preferia mostrar a criança como uma criatura pecadora, “um pobre animal suspirante”. = Para alguns recentes estudiosos em infância, a Idade Média a compreendia com um processo, ao invés de um estado fixo.
É possível utilizar a literatura médica, didática e moralizadora no período medieval para demonstrar uma consciência sobre as etapas da infância. Shulamith Shahar, por exemplo, chama a atenção para uma consciência das transformações fundamentais em torno das idades de 2 a 7 anos, e da adolescência, e acerca das características de cada etapa. (...) (p.28)
Geralmente os autores medievais preferiam escrever sobre a idade adulta, especialmente a dos homens. Aqueles que escreviam a história na Idade Média a consideravam, geralmente, uma questão de reis, batalhas e da política (universo do qual as crianças não faziam parte). As convenções da hagiografia afirmavam que um futuro santo seria apontado já nos primórdios da infância por usa excepcional maturidade (o futuro santo = uma criança que pensava como um homem de idade).
(...) a infância (assim como a adolescência) durante a Idade Média não passou tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa e, por vezes, desdenhada. (...) (p.29).
Para Doris Desclais Berkvam: a infância medieval apresenta-se de maneira desestruturada e indefinida. Exemplos: as fontes medievais eram em relação à estimativa de idades; os escritores antigos descuidavam de qualquer forma precisa de classificação por idade.
Contribuição de Ariès:
Apresenta as crianças medievais inseridas gradualmente no mundo dos adultos a partir de uma idade precoce, ajudando os pais, trabalhando na condição de servas ou desenvolvendo o aprendizado de um ofício. Nesse sentido ele não é o pioneiro.
PARTE I – CAPÍTULO 02: EM BUSCA DE UM MARCO DA MUDANÇA
Idéias de Áries sobre as transformações de longo prazo nas concepções da infância:
+ Sofreu mudanças entre os séculos XV e XVII.
+ Inicialmente, mães e amas de leite lançaram a nova idéia (de infância), ao tratar as crianças como uma fonte de prazer e relaxamento, deleitando-se com sua doçura, simplicidade e gracejos. Essa maneira deve ter sempre parecido encantadora às mães e amas, mas esse sentimento pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos.
+ Os reformadores substituíram o afago das mães e amas em relação às crianças pelo interesse psicológico e pela solicitude moral. Um pequeno bando de advogados, padres e moralistas passou a reconhecer a inocência e a fragilidade da infância, e logrou impor uma infância longa entre as classes médias (influência do cristianismo e do novo interesse pela educação).
+ A preocupação elevada com a educação transformou aos poucos o conjunto da sociedade durante os séculos XIX e XX, notadamente ao estimular uma função nova e espiritual para a família.
Críticas a Ariès:
Não se podem aceitar tais mudanças em escala tão ampla. Deve-se considerar um quadro mais matizado entre as nações, os diversos grupos sociais e os períodos convencionais da história.
Ressalvas:
* Alguns críticos de Ariès propuseram uma “descoberta da infância” alternativa, seja antes, durante ou depois do século XVII. Seguem Ariès no cenário tranqüilizador de um conceito cada vez mais “sério e realista” que surgia da infância, seja a partir da Alta Idade Média ou no final do século XIX, chamando a atenção para períodos, organizações e pensadores fundamentais na história da infância. = a noção de uma descoberta definitiva da natureza particular da infância está aberta ao debate (categoria atemporal)
Com essas idéias, Ariès pretendia: documentar o surgimento de um sentimento da infância no período moderno.
“Descobertas” durante a Idade Média - Questionamentos às posições de Ariès:
+ Pierre Riché (década de 1960): entre os séculos VI e VII, o sistema monástico redescobriu a natureza da criança e toda a sua riqueza. Os monastérios desenvolveram experiências diretas na criação e na educação de crianças. O costume dos pais de entregar um filho para a Igreja fazia com que a maioria dos recrutados em monastérios fosse de oblatos jovens. Os monges questionaram a opinião geral rebaixada de infância: Columbano (final do século VI) entendia que o menino poderia ser um monge superior a um adulto porque ele não persistia na raiva, não guardava rancor, não se deliciava com a beleza das mulheres e eram autênticos; Beda afirmava que a criança era boa de educar, absorvendo com fidelidade aquilo o que lhe era ensinado.
+ Rolan Carron – Faz um estudo sobre a descoberta da criança no século XIII (durante algum tempo), tendo como pano de fundo uma série de levantes sociais e econômicos. Com a reforma agrária que se desenvolveu entre os séculos X e XIII, houve um aumento da população, o florescimento da família, o renascimento da vida urbana e um investimento social e psicológico maior nas crianças: mais recursos foram dedicados à sua educação e a sua saúde, e mais se refletiu sobre os métodos de sua criação e ensino.
(...) O “renascimento” do século XII também trouxe novas aprendizagens. As cidades francesas, principalmente, forma palco de um crescimento do humanismo e de um interesse pelo indivíduo. (...) No âmbito da atmosfera rarefeita e da “sociedade educada e inteligente”, o contexto cultural era, com certeza, favorável a uma reavaliação da infância. (...) (p.36).
A contribuição do período moderno
Infância “descoberta” também durante os séculos XVI e XVII:
+ C. John Sommerville: Os puritanos começaram a interessar-se permanentemente pelas crianças (ávidos por conquistar a geração mais jovem), questionando sua natureza e seu lugar na sociedade. Não tinha uma opinião positiva sobre as crianças, compreendendo-as como “fardos sujos do pecado original” ou “pequenas víboras”.
Os reformadores católicos franceses tinham opinião igualmente inferior sobre as crianças: viam-nas como fracas e culpadas de pecado original. Apesar disso, jansenistas do século XVII e outros educadores afirmavam que as crianças valiam a atenção, oferecendo-lhes instrução, compreensão e auxílio.
+ Ariès não relacionar os esquemas que tratavam do detalhamento da infância, sobre influência da tradição clássica no período à consciência a respeito da infância.
(...) poderia-se dizer que o mundo medieval provavelmente teve algum conceito de infância, mas suas concepções sobre ela eram muito diferentes das nossas. (...) (p.27)
O mesmo autor pontua a relevância do estudo de Ariès:
(...) deve-se certamente reconhecer o papel de Ariès ao abrir o tema da infância, aproveitar suas tantas percepções acerca do passado e seguir adiante. Uma abordagem mais frutífera é buscar essas diferentes concepções sobre a infância em vários períodos e lugares, e tentar explicá-las à luz do material e das condições culturais predominantes. (p.27)
PARTE I – CAPÍTULO 01: CONCEPÇÕES MEDIEVAIS DA INFÂNCIA
De que forma a Europa medieval caracterizava a natureza da infância?
Imagens isoladas sobre a infância:
Reconhecimento das qualidades positiva dos muito jovens, considerando que a criança nunca fora tão celebrada como na Idade Média. Ex: Papa Leão lembra o amor de Cristo pelas crianças e enfatiza a sua inocência; O culto ao menino Jesus entre os cistercienses durante o século XII (forma de exaltação da infância);
Imagens mais comuns sobre a infância:
A elite instruída preferia mostrar a criança como uma criatura pecadora, “um pobre animal suspirante”. = Para alguns recentes estudiosos em infância, a Idade Média a compreendia com um processo, ao invés de um estado fixo.
É possível utilizar a literatura médica, didática e moralizadora no período medieval para demonstrar uma consciência sobre as etapas da infância. Shulamith Shahar, por exemplo, chama a atenção para uma consciência das transformações fundamentais em torno das idades de 2 a 7 anos, e da adolescência, e acerca das características de cada etapa. (...) (p.28)
Geralmente os autores medievais preferiam escrever sobre a idade adulta, especialmente a dos homens. Aqueles que escreviam a história na Idade Média a consideravam, geralmente, uma questão de reis, batalhas e da política (universo do qual as crianças não faziam parte). As convenções da hagiografia afirmavam que um futuro santo seria apontado já nos primórdios da infância por usa excepcional maturidade (o futuro santo = uma criança que pensava como um homem de idade).
(...) a infância (assim como a adolescência) durante a Idade Média não passou tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa e, por vezes, desdenhada. (...) (p.29).
Para Doris Desclais Berkvam: a infância medieval apresenta-se de maneira desestruturada e indefinida. Exemplos: as fontes medievais eram em relação à estimativa de idades; os escritores antigos descuidavam de qualquer forma precisa de classificação por idade.
Contribuição de Ariès:
Apresenta as crianças medievais inseridas gradualmente no mundo dos adultos a partir de uma idade precoce, ajudando os pais, trabalhando na condição de servas ou desenvolvendo o aprendizado de um ofício. Nesse sentido ele não é o pioneiro.
PARTE I – CAPÍTULO 02: EM BUSCA DE UM MARCO DA MUDANÇA
Idéias de Áries sobre as transformações de longo prazo nas concepções da infância:
+ Sofreu mudanças entre os séculos XV e XVII.
+ Inicialmente, mães e amas de leite lançaram a nova idéia (de infância), ao tratar as crianças como uma fonte de prazer e relaxamento, deleitando-se com sua doçura, simplicidade e gracejos. Essa maneira deve ter sempre parecido encantadora às mães e amas, mas esse sentimento pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos.
+ Os reformadores substituíram o afago das mães e amas em relação às crianças pelo interesse psicológico e pela solicitude moral. Um pequeno bando de advogados, padres e moralistas passou a reconhecer a inocência e a fragilidade da infância, e logrou impor uma infância longa entre as classes médias (influência do cristianismo e do novo interesse pela educação).
+ A preocupação elevada com a educação transformou aos poucos o conjunto da sociedade durante os séculos XIX e XX, notadamente ao estimular uma função nova e espiritual para a família.
Críticas a Ariès:
Não se podem aceitar tais mudanças em escala tão ampla. Deve-se considerar um quadro mais matizado entre as nações, os diversos grupos sociais e os períodos convencionais da história.
Ressalvas:
* Alguns críticos de Ariès propuseram uma “descoberta da infância” alternativa, seja antes, durante ou depois do século XVII. Seguem Ariès no cenário tranqüilizador de um conceito cada vez mais “sério e realista” que surgia da infância, seja a partir da Alta Idade Média ou no final do século XIX, chamando a atenção para períodos, organizações e pensadores fundamentais na história da infância. = a noção de uma descoberta definitiva da natureza particular da infância está aberta ao debate (categoria atemporal)
Com essas idéias, Ariès pretendia: documentar o surgimento de um sentimento da infância no período moderno.
“Descobertas” durante a Idade Média - Questionamentos às posições de Ariès:
+ Pierre Riché (década de 1960): entre os séculos VI e VII, o sistema monástico redescobriu a natureza da criança e toda a sua riqueza. Os monastérios desenvolveram experiências diretas na criação e na educação de crianças. O costume dos pais de entregar um filho para a Igreja fazia com que a maioria dos recrutados em monastérios fosse de oblatos jovens. Os monges questionaram a opinião geral rebaixada de infância: Columbano (final do século VI) entendia que o menino poderia ser um monge superior a um adulto porque ele não persistia na raiva, não guardava rancor, não se deliciava com a beleza das mulheres e eram autênticos; Beda afirmava que a criança era boa de educar, absorvendo com fidelidade aquilo o que lhe era ensinado.
+ Rolan Carron – Faz um estudo sobre a descoberta da criança no século XIII (durante algum tempo), tendo como pano de fundo uma série de levantes sociais e econômicos. Com a reforma agrária que se desenvolveu entre os séculos X e XIII, houve um aumento da população, o florescimento da família, o renascimento da vida urbana e um investimento social e psicológico maior nas crianças: mais recursos foram dedicados à sua educação e a sua saúde, e mais se refletiu sobre os métodos de sua criação e ensino.
(...) O “renascimento” do século XII também trouxe novas aprendizagens. As cidades francesas, principalmente, forma palco de um crescimento do humanismo e de um interesse pelo indivíduo. (...) No âmbito da atmosfera rarefeita e da “sociedade educada e inteligente”, o contexto cultural era, com certeza, favorável a uma reavaliação da infância. (...) (p.36).
A contribuição do período moderno
Infância “descoberta” também durante os séculos XVI e XVII:
+ C. John Sommerville: Os puritanos começaram a interessar-se permanentemente pelas crianças (ávidos por conquistar a geração mais jovem), questionando sua natureza e seu lugar na sociedade. Não tinha uma opinião positiva sobre as crianças, compreendendo-as como “fardos sujos do pecado original” ou “pequenas víboras”.
Os reformadores católicos franceses tinham opinião igualmente inferior sobre as crianças: viam-nas como fracas e culpadas de pecado original. Apesar disso, jansenistas do século XVII e outros educadores afirmavam que as crianças valiam a atenção, oferecendo-lhes instrução, compreensão e auxílio.
+ Okenfuss: A infância foi descoberta na Rússia na década de 1690. Indícios: utilização de cartilhas produzidas por Karion (1640-1717) com amplo uso de ilustrações para ensinar gramática e religião, revelando a compreensão de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos.
O autor inspira-se em Ariès ao afirmar que a “descoberta” da infância está associada a um interesse recém-surgido na educação, com a escola servindo para diferenciar a infância de etapas posteriores da vida.
O século XVII: Locke, Rousseau e os primeiros românticos
O trabalho de Ariès não ultrapassou a era moderna em seu estudo sobre a infância.
Os pensadores do século XVIII estão mais próximos das noções contemporâneas de infância do que qualquer de seus predecessores. O que eles afirmaram? As crianças são importantes em si, em vez de serem simplesmente adultos imperfeitos.
01. John Locke:
Obra: “Algumas reflexões sobre educação” = projeta a imagem da criança como tabula rasa, um papel em branco ou uma cera a ser moldada e formatada como bem se entender.
A noção lockiana de que a educação pode fazer “uma grande diferença para a humanidade” sugere a lógica de que a criança não nascia nem boa nem má. Para Spellman, Locke não havia se livrado da perspectiva cristã de impureza, pois na obra deste a aprendizagem envolvia uma luta para ensinar a criança a dominar suas inclinações e submeter seu apetite à razão.
O livro de Locke estimula uma atitude simpática com relação às crianças, que era rara em períodos anteriores: recomenda a atenção à natureza do temperamento pelo educador para que esse possa auxiliar as crianças no aproveitamento dos estudos e que não esperássemos dos pequenos “comportamento, seriedade e aplicação”.
(...) Locke não escapa de maneira alguma de uma concepção negativa sobre a infância, o que se pode ver em seu desejo de desenvolver a capacidade de raciocinar nas crianças já a partir de uma idade precoce (...) (p. 38)
02. Rousseau:
Figura de destaque na reconstrução da infância durante o século XVII;
Se opôs mais intensamente, de acordo com Peter Coveney, à tradição cristã do pecado original, com o culto da inocência original da criança.
O Emílio, obra na qual Rousseau sistematiza sua visão de infância:
* A criança nasce inocente, mas corre o risco de ser sufocada por preconceitos, autoridade, necessidade, exemplo e instituições;
* A natureza deseja que as crianças sejam crianças antes de adultas. A infância tem formas próprias de ver, pensar, sentir, raciocinar;
* Os muito jovens não deveriam ter o encargo da distinção entre Bem e Mal. Como inocentes, poder-se-ia deixar que respondessem à natureza, e nada fariam que não fosse bom, podendo fazer mal, mas não com a intenção de prejudicar. Por isso, poderiam aprender lições a partir das coisas e não a partir dos homens.
03. Concepção romântica da infância:
+ Surge, pela primeira vez, no final do século XVIII e início do século XIX;
+ Trouxe uma mudança sutil na noção rousseniana de inocência na infância: as crianças era apresentadas como criaturas de profunda sabedoria, sensibilidade estética mais apurada e consciência profunda das verdades morais duradouras.
+ Essa mudança resultou numa redefinição do relacionamento entre adultos e crianças: agora, era a criança que podia educar o educador.
+ A visão romântica da infância estava longe de ser predominantes pois: a tradição mais antiga de manchar as crianças com o pecado original custou a desaparecer; a ênfase na inocência da infância tinha pouca relevância para as vidas da maioria dos jovens, que ainda estavam sendo inseridos no mundo dos adultos muito cedo.
+ A visão romântica da infância tinha mais aceitação nos círculos da classe média onde o interesse pela educação era mais desenvolvido.
Rumo a uma infância e a uma adolescência longas, c. 1900
Final do século XIX e início do século XX: surgimento de vários estudos que fundamentaram a concepção contemporânea de infância.
Viviana Zelizer: afirma que entre as décadas de 1870 e 1930, surgiu na América a criança economicamente “sem valor”, mas emocionalmente “inestimável”; que em meados do século XIX a noção de uma criança economicamente sem valor já havia sido adotada pelas classes médias urbanas. Apesar disso, as famílias de classe trabalhadora continuaram a contar com os salários de seus filhos até que a legislação sobre o trabalho infantil e a educação compulsória acabassem com a defasagem da classe. Para estimularem a retirada das crianças dos locais de trabalho, os reformadores norte-americanos promoveram uma “sacralização” da infância: lucrar a partir do trabalho de crianças era tocar de forma profana em algo sagrado.
Conseqüências dessa concepção: aumento no valor sentimental das crianças, tanto nos círculos de classe trabalhadora quanto de classe média. (reconceituação da infância = versão nova e politizada da criança romântica).
Anos 1900 = notórios pela descoberta da adolescência:
A obra de Stanley Hall (Adolescência) popularizou o conceito à retoma a puberdade como uma etapa diferenciada da vida. Para ele, a adolescência traz um novo nascimento e uma etapa transitória entre a selvageria característica das crianças e a maturidade. Seu pensamento estimulou a noção de um período amplo de transição entre a infância e a idade adulta.
No final do século XIX os jovens eram cada vez mais segregados dos adultos na infância e na adolescência, especialmente em escolas organizadas por idade = foi o que despertou o interesse elevado na definição de um período prolongado de infância e adolescência.
Havia, nesse contexto, uma ansiedade generalizada com relação ao futuro:
(...) O século XIX foi uma época consciente de sua característica de progresso, mas, mesmo assim, muitas pessoas estavam perturbadas pelas forças desencadeadas pela civilização industrial recém-surgidas a seu redor (...) (p.43)
Conclusão
(...) a história cultural da infância tem seus marcos, mas também se move por linhas sinuosas com o passar dos séculos: a criança poderia ser considerada impura no início do século XX tanto quanto na Alta Idade Média (...) (p.45)
REFERÊNCIA
HEYWOOD, Colin. Uma história da infância: da Idade Média à época contemporânea no Ocidente. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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